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PCDs e os Concursos Policiais

Como os editais são construídos para eliminar os deficientes físicos!

O candidato deve ter em mente que, para entrar com uma ação na Justiça, ser-lhe-á questionado se ele deveria, de fato, ser ou não enquadrado na categoria de deficiente físico. A partir de um enquadramento positivo, é possível aplicar-lhe os diplomas legais garantidores dos direitos da pessoa com deficiência, tais como a Lei Federal nº 13.146/2015 e o Decreto nº 6.949/09, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, passando a ser aplicável no território brasileiro.

 

 

Modelos de Atestados Médicos no Edital

Vários concursos policiais apresentam modelo de laudo médico a ser apresentado pelos candidatos no momento de sua inscrição como PCD, a exemplo do modelo abaixo:

 

 

No momento de realização do Teste de Aptidão Física – TAF, geralmente, será exigido do candidato um novo laudo (atestado) médico onde conste que “o candidato está apto a realizar a prova de capacidade física deste concurso”.

Observando-se o conteúdo exigido no atestado médico, reproduzido no parágrafo anterior, se conclui que ele apenas permite a afirmação de aptidão para o teste físico como um todo. Ou seja, ou o candidato estava apto a realizar todas as provas, ou o candidato seria considerado inapto e estaria, automaticamente, desclassificado do concurso.

A cobrança deste tipo de atestado médico é usual nesse tipo de prova, e parece óbvio que considera que todos os candidatos estão disputando as vagas de ampla concorrência, “esquecendo-se” dos candidatos com deficiência, mesmo nos casos em que, expressamente, existe a destinação de vagas a serem preenchidas por pessoas portadoras de deficiência no edital do concurso.

Vejamos um exemplo: um dado concurso policial, o mesmo que exigiu o atestado médico nos moldes especificados acima, exigia dos candidatos, na etapa de testes físicos, a realização de (a) teste flexão de braço na barra fixa (para candidatos do sexo masculino) e teste estático de barra (para candidatos do sexo feminino), (b) teste de natação, (c) teste de impulsão horizontal e (d) teste de corrida.

 

 

É de se imaginar que as PCDs com limitação motora – que são, sim, aptos a concorrerem no concurso – provavelmente não têm condições físicas, independentemente do esforço que possam empreender, para executar alguns dos testes previstos no parágrafo anterior.

A pessoa com deficiência, ao ser submetida à realização de teste de aptidão física nos mesmos moldes previstos para os candidatos às vagas de ampla concorrência, não tem garantido seu direito fundamental a tratamento isonômico compatível com a deficiência física de que é portadora, em obediência, inclusive, ao garantido expressamente no art. 2º, e seu § 1º, da Lei nº 12.146/2015, que diz:

 

Art. 2º. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º – A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III – a limitação no desempenho de atividades; e IV – a restrição de participação.

 

Essa mesma lei protege o direito ao trabalho da pessoa com deficiência, garantindo-lhe não somente a igualdade de oportunidade, mas também a igualdade de condições, o que significa dizer que os critérios de admissão devem ser relativizados em compatibilidade com a deficiência apresentada por cada pessoa, para que haja igualdade substancial na disputa à vaga de trabalho. E essa lei, por óbvio, também se aplica ao Poder Público, vejamos:

 

“Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. § 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos”.

 

 

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TAF Modificado?

Via de regra, os editais dos concursos policiais descrevem que a prova de capacidade física das pessoas portadoras de deficiência será realizada em igualdade de condições com os demais candidato, na medida em que, no item relacionado à prova de capacidade física, não é feita qualquer ressalva especial aos candidatos deficientes. Ou seja, é notório o desinteresse da Administração Pública, principalmente nos Concursos Policiais, em contar nos seus quadros com PCDs.

Vejamos trecho de um edital de um dado Concurso Policial:

 

11 DA PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA

11.1 Serão convocados para a prova de capacidade física os candidatos (…) aprovados na prova discursiva e os candidatos ao cargo de Escrivão de Polícia aprovados na prova prática de digitação.

11.2 A prova de capacidade física, de caráter eliminatório, visa avaliar a capacidade do candidato para desempenhar as tarefas típicas do cargo.

11.2.1 O candidato será considerado apto ou inapto na prova de capacidade física.

11.3 Compõem a prova de capacidade física testes físicos que serão realizados na seguinte ordem:

a) flexão de braço na barra fixa (sexo masculino) ou estático de barra (sexo feminino);

b) impulsão horizontal (sexos masculino e feminino);

c) natação (sexos masculino e feminino);

d) corrida de 12 minutos (sexos masculino e feminino).

11.5 O candidato deverá comparecer em data, local e horário a serem oportunamente divulgados em edital específico, (…) munido de atestado médico específico para esse fim, (…).

11.6 No atestado médico deverá constar, expressamente, que o candidato está APTO a realizar a prova de capacidade física deste concurso.

11.7 O candidato que deixar de apresentar o atestado médico, ou apresentá-lo em desacordo com o item anterior, será impedido de realizar a prova de capacidade física, sendo, consequentemente, eliminado do concurso.

(…)

 

Referidas previsões (principalmente os itens 11.5, 11.6 e 11.7) tornam clara a intenção da Administração Pública de apresentar tratamento isonômico meramente formal às pessoas com deficiência, já que, APESAR da deficiência de que sejam portadoras, deveriam elas disputar com os demais concorrentes como se não possuíssem deficiência alguma. A única diferenciação prevista no edital, neste ponto específico, é realizada em relação ao gênero dos candidatos, se do sexo masculino ou do sexo feminino, independentemente de serem ou não deficientes.

Fica claro que o edital pretende excluir do concurso todos os deficientes que forem incapazes de realizar quaisquer das provas relativas à etapa de capacidade física, o que, na prática, torna nula qualquer garantia constitucional de inclusão das pessoas com deficiência, a exemplo, das PCDs portadores de limitações motoras.

Ora, se o edital não faz qualquer distinção para qualquer dos cargos do concurso, fere a isonomia, e com muito mais razão fere a isonomia em face da pessoa com deficiência, que é uma exigência da Lei Federal de inclusão das pessoas com deficiência.

 

 

Muito provavelmente, as pessoas com deficiência, especialmente motora, não conseguirão cumprir satisfatoriamente todos os exercícios físicos listados dentro dos parâmetros mínimos estabelecidos, e, em função de sua deficiência física, que lhes impõe limitações, serão eliminados, no estrito cumprimento das normas editalíciais que foram construídas, neste formato, exatamente para atingir este propósito.

O comportamento contraditório da Administração Pública reside, exatamente, na previsão editalícia de vagas reservadas aos candidatos portadores de deficiência, quando, na verdade, não há intenção de se contar com servidores deficientes nos cargos especificados. Ou melhor, de antemão, só serão aceitas pessoas com deficiência, cuja deficiência não reduza a capacidade física plena para realização dos testes físicos, tais quais previstos no edital para as pessoas sem deficiência; e, mesmo assim, provavelmente, as PCDs remanescentes serão eliminadas nas etapas seguintes do concurso.

Referido comportamento contraditório pode possibilitar a ocorrência de situação constrangedora e abusiva, consistente na convocação de PCD para realização de prova física que ele não teria condições de fazer, dada a própria natureza de sua deficiência. Como, por exemplo, um cadeirante poderia saltar (teste de impulsão horizontal) ou mesmo correr? Mas é fato, por outro lado, que um cadeirante pode, sim, ser um exímio policial.

 

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Poder discricionário da Administração

É relevante esclarecer que as Policias têm a prerrogativa (o privilégio) de estabelecer os critérios para aprovação dos candidatos mais bem qualificados para exercerem a função policial. A questão em análise é um pouco mais profunda: APESAR de possuir a prerrogativa de escolher os critérios de aprovação dos futuros policiais, a Administração Pública determinou a RESERVA de vagas para pessoas portadoras de deficiência. Ao fazer tal opção, os Concursos Policiais devem se submeter ao regramento jurídico que protege os direitos das pessoas portadoras de deficiência.

 

 

Muitas das vezes, na relação entre PCDs e os Concursos Policiais, se estará diante de uma evidente “discriminação negativa da pessoa com deficiência”, violando aos artigos 4º e 34 da Lei Federal nº 13.126/2015:

 

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas;

[…]

Art. 34, § 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.

 

Geralmente, ao confrontar os dispositivos citados com a atuação contraditória da Administração Pública, conclui-se que houve violação da ordem jurídica na forma como os concursos policiais, desde o início, são regulados, no que se refere às pessoas portadoras de deficiência.

A garantia meramente formal do princípio da isonomia é atestada por um conjunto de regras editalícias contraditórias e vazias, aplicáveis às pessoas com deficiência, e pela atuação contraditória da Administração Pública na aplicação dessas mesmas regras.

O que significa igualdade material de condições? Significa dizer que os critérios de admissão devem ser relativizados em compatibilidade com a deficiência apresentada por cada pessoa, para que haja igualdade substancial na disputa à vaga de trabalho, sendo referido comando plenamente aplicável ao Poder Público.

 

 

Com efeito, a exclusão do deficiente em razão da deficiência que o autorizou a concorrer às vagas como PCD é, sim, uma forma de anular o exercício do direito a concorrer a um cargo público, titularizado pelo portador de deficiência, o qual atendeu ao chamado do Poder Público e acreditou poder disputar uma vaga, com respeito às suas especificidades, mas que, de fato, estava nos contextos de uma “enorme pegadinha”, de um “faz de conta”, que finalmente irá lhe excluir do concurso.

Deve-se ainda considerar que o Decreto nº 3.298/99 prevê explicitamente, no § 2º de seu art. 43, que A COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA SERÁ AVALIADA por equipe multiprofissional DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO.

 

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Estudo de Caso – Candidata com Deficiência Motora

Vejamos o atestado médico que foi apresentado por uma candidata deficiente motora em um Concurso Policial com as provas anteriormente descritas (barra, natação, salto e corrida), com a intenção de lhe possibilitar participar dos testes de aptidão física:

 

 

Qual era a real situação da candidata? A candidata é pessoa com deficiência para fins normativos, haja vista fratura na vértebra lombar L1 que sofrera havia pouco mais de quatro anos e que, por pouco, não a deixara paraplégica.

 

 

O que ocorreu no caso específico?

A candidata foi eliminada no teste de aptidão física: a organização do concurso afirmara no edital que adaptaria todos os exames aos diplomas inclusivos, mas eliminou a autora por não conseguir correr e saltar.

Ao cobrar adaptação da prova, a candidata recebera a informação de que se estava cumprindo o edital.

Depois de ser reintegrada ao concurso, por decisão judicial após não ter conseguido cumprir duas provas do TAF para as quais sua deficiência lhe causava limitação total, fora mais uma vez eliminada, agora na fase de exame médico, cujos motivos alegados se confundem com os fatos embasadores da deficiência. Ou seja, a autora foi mais uma vez eliminada por ser pessoa com deficiência, e, novamente, teve que se socorrer do Poder Judiciário para continuar no Concurso.

 

No tocante ao ato discriminatório ocorrido em sede de exame médico, o art. 4º, §1º, Lei nº 13.146/15, alberga o direito da pessoa com deficiência de não ser prejudicada em virtude da deficiência. Sendo assim, a deficiência não pode ser colocada antes da pessoa. Assim, sob pena de discriminação em sentido negativo, o que é vedado, as características que asseguram à candidata o direito de disputar a vaga de escrivã dentro das vagas reservadas às pessoas com deficiência, não podem ser utilizadas como argumento idôneo à sua própria eliminação. Contextualizando a situação concreta, a discriminação em sentido negativo resulta, por efeito, da exclusão (eliminação) da candidata do concurso para provimento de vagas do Concurso Policial em questão, em virtude de sua deficiência.

 

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O que mais diz a legislação?

É importante destacar o caráter discriminatório (em sentido negativo) de muitos editais das carreiras policiais, que têm o “efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício… de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro…” (art. 2º, Decreto nº 6.949/2009), caracterizando nitidamente a discriminação por motivo de deficiência.

Em se tratando de pessoa com deficiência, saliente-se que o texto normativo dispensa a intenção de discriminar, sendo suficiente o “efeito de impedir”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Dec. nº 6.949/09) é um dos únicos tratados de direitos humanos no Brasil que goza do status de emenda à Constituição, uma vez que aprovado sob as especiais condições descritas no art. 5º, §3º, Constituição Federal, ou seja, trata-se de uma legislação soberana às demais.

Ainda que não haja intencionalidade, qualquer conduta obstacularizadora ao exercício ou fruição de direitos de pessoas com deficiência será reputada discriminatória; além de ser um fato típico, antijurídico e culpável (art. 88, Lei nº 13.146/2015).

O conceito de discriminação por motivo de deficiência é complementado pelos arts. 4º, §1º, 5º, caput, da LBI [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)]. O art. 4º, §1º, estabelece que o suporte fático à incidência da discriminação também abrange o não fornecimento de tecnologias assistivas ou ajuda técnica à pessoa com deficiência. Já o art. 5º, caput, reforça o comando anterior, ao prever que toda pessoa com deficiência será protegida contra discriminação (“A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.“).

 

 

Pode ser exigido de uma pessoa com deficiência o esforço, como o é exigido de todos os candidatos, mas não pode ser exigido a uma pessoa com deficiência mais do que ela possa, por condições intrinsecamente suas e já sabidas pela banca organizadora, fazer.

 

E aí, as explicações sobre o “Deficientes Físicos e os Concursos Públicos” lhe foram úteis? Encontrou a solução que se encaixa perfeitamente ao seu caso específico ao longo do texto? Comente e compartilhe o seu comentário!

 

AUTOR:

Cristiano Nunes Gonçalves

Pós-Graduado em Direito. ADVOGADO. Doutor em Ciência do Solo. Mestre em Agronomia. ENGENHEIRO Agrônomo. PROFESSOR. ANALISTA em Ciência e Tecnologia Sênior.

 

 

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Editor do Blog. Pós-Graduado em Direito. Advogado. Doutor em Ciência do Solo. Mestre em Agronomia. Engenheiro Agrônomo. Professor. Analista em Ciência e Tecnologia Sênior do CNPq.

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