Direito Transparente

Usucapião Familiar: do abandono da família à perda de parte da moradia

Simplesmente sair de casa, sem dar qualquer suporte à família que lá ficou, pode implicar na perda de sua parte da residência, de forma irreversível. Pense bem nisso antes de agir dessa forma.

A usucapião familiar é também conhecida como: usucapião pró-moradia, usucapião conjugal, usucapião especial urbana por abandono do lar, usucapião domiciliar ou usucapião sanção; sob qualquer destes nomes se estará falando da mesma coisa.

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1. O instituto da Usucapião (em geral)

Usucapião é a aquisição da propriedade pelo indivíduo por meio da posse de um bem móvel ou imóvel, utilizado por um suficiente espaço de tempo (lapso temporal), ininterrupto (contínuo, sem intervalos), de forma mansa e pacífica (sem ninguém requerendo também o bem) e exercendo a condição de dono (desde sempre tendo a intenção de ser dono).

A usucapião não representa um ataque ao direito de propriedade daquele que está perdendo o bem, mas sim privilegia à posse daquele que faz com que o imóvel esteja cumprindo sua função social e econômica.

As principais modalidades (tipos) de usucapião são: extraordinária, ordinária, especial urbana, especial rural, do Estatuto da Cidade e a usucapião familiar.

 

2. Da usucapião familiar

Um pouco de teoria. A usucapião familiar é uma espécie de aquisição da propriedade criada em 2011, prevendo que aquele que exercer por dois anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano próprio de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família irá adquirir o domínio (propriedade) integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A usucapião familiar tem cunho indenizatório, pois confere o imóvel do casal aquele(a) que foi obrigado a assumir, com exclusividade, os deveres de assistência material e imaterial da entidade familiar (que deveriam ser partilhados por ambos os cônjuges ou companheiros), e o sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência.

O ajuizamento da usucapião familiar não depende da situação econômica financeira da família e se o abandono foi praticado pelo homem ou pela mulher.

Preenchendo os requisitos estará configurada a possibilidade de se usar este instrumento e incorporar a parte do bem que era pertencente à propriedade do abandonante ao patrimônio daquele que permaneceu na residência do casal.

 

3. Objetivo

A usucapião familiar têm dois objetivos: (1) proteger o direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que, abandonado, permaneceu no imóvel, neste habita, sem resistência do cônjuge ou companheiro(a) que o abandonou e (2) também proteger a família que foi abandonada.

A usucapião familiar pretende solucionar as situações em que um dos cônjuges ou companheiros abandona o lar conjugal, sem renunciar (= dizer que não quer) ou partilhar (= dividir) o bem comum. Tal situação gera dificuldades diversas para aquele que permanecer.

 

4. Requisitos da Usucapião Familiar (o que você deve observar para ver se é possível requerer?)

Devem estar presentes TODOS os requisitos descritos abaixo:

  1. Quem pode requerer? O cônjuge ou companheiro(a) que permanecer na residência, ou seja, aquele que for requerer deve ser (ou ter sido) esposa, marido, companheira ou companheiro (em regime de união estável declarada) daquele que abandonou a família e a residência;
  2. Prazo: a posse deve ser exercida, sem interrupção, por no mínimo dois anos, contado do abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro(a) (a partir da separação de fato ou de corpos);
  3. Sem oposição: a posse não pode ser contestada pelo cônjuge ou companheiro(a) que abandonou o lar. Devem ser apresentadas certidões de distribuições cíveis e criminais para demonstrar que não há ação judicial em andamento tratando de discussão relativa ao imóvel;
  4. Posse direta e com exclusividade: aquele(a) que permaneceu deve utilizar o imóvel para sua moradia ou de sua família, de forma integral (toda área do imóvel) e de forma exclusiva (sem estar dividindo com ninguém que não seja da família);
  5. Localização do imóvel: o imóvel deve estar localizado em área urbana;
  6. Tamanho do imóvel: o imóvel não pode ter mais de 250 m2 de área total. Para área máxima do imóvel considera-se a área de superfície do terreno, independentemente da área construída;
  7. Situação escritural do imóvel: imóvel comum do casal – o imóvel deve pertencer, antes do abandono, àquela(e) que ficou e também àquele(a) que saiu de casa;
  8. Situação do requerente: não pode ser proprietário de outro imóvel (urbano ou rural), o que deve ser comprovado por meio de certidões negativas emitidas pelos cartórios de imóveis;
  9. Vontade de ser dono: o possuidor (aquele que permaneceu no imóvel) deve agir com a intenção de ser dono em relação ao imóvel que pretende usucapir, nele residindo;
  10. Demonstração do abandono: deverá ser demonstrando que, voluntariamente, o cônjuge ou companheiro(a) abandonou o lar conjugal e a família, ou seja, a saída do lar deve ter ocorrido de forma espontânea e sem justificativa. O abandono deve ser efetivo, englobando os abandonos físico, intelectual e financeiro;
  11. Não ter utilizado a usucapião familiar anteriormente: não pode ter sido beneficiado, anteriormente, pelo mesmo instituto.

Vamos detalhar alguns dos requisitos acima expostos.

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4.1. Requisito do casal ser casado ou possuir união estável

A pessoa que pretende requerer a usucapião familiar precisa estar (ou precisava estar) casada ou conviver em união estável com o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar, não havendo distinção, caso se trate de pessoas de mesmo sexo ou de sexo diverso.

A usucapião familiar abrange e protege todas as entidades familiares baseadas na conjugalidade, inclusive as famílias poliafetivas, quando reconhecidas.

No caso de união estável ela deve ser devidamente reconhecida e declarada, e a falta de sua comprovação inviabiliza a usucapião familiar. Se não for reconhecida, deve ser promovida uma ação judicial de reconhecimento de união estável.

Quando a lei se refere a ex-cônjuge e ex-companheiro, não abrange somente aquele casal, em que houve o divorcio ou a dissolução da união estável judicialmente, mas aqueles que se encontram em separação de fato (= não convivem mais juntos).

As expressões “ex-cônjuge” e “ex-companheiro”, que estão no texto da lei, referem-se ao fim do casamento ou da união estável, seja de fato (simples saída do lar) ou de direito (sentença ou escritura pública de divórcio ou dissolução de união estável ou medida cautelar de separação de corpos).

 

4.2. Requisito relativo ao prazo

O decurso de prazo estabelecido para perca da propriedade é muito pequeno. Geralmente os dois anos que se seguem a separação de fato, corresponde ao tempo necessário para o casal  se habitue a separação ou restabeleça o vínculo conjugal.

 

4.3. Requisito relativo ao exercício da posse

Aquele que ficou no imóvel deve exercer diretamente a posse, de forma exclusiva (não pode ser posse comum) e sem interrupção, fazendo uso do bem para sua moradia e de sua família, exercendo a posse sem oposição daquele que abandonou o lar.

 

4.4. Requisito de ser imóvel urbano

Apenas o imóvel urbano pode ser objeto da usucapião familiar.

A lei exclui desse tipo de proteção aos moradores de áreas rurais.

Esse “detalhe” fere o objetivo primordial dessa lei que foi o de resguardar o direito das pessoas de baixa renda (embora possa ser utilizado por pessoas com quaisquer níveis de renda), visto que a situação que se pretende proteger também ocorre na área rural e foi negligenciada.

4.5. Requisito do imóvel ser propriedade comum do casal

O imóvel deve, obrigatoriamente, pertencer a ambos os parceiros conjugais, por força de condomínio tradicional (= escriturado em nome de ambos) ou do regime de bens do casamento ou da união estável.

Se o bem estiver com exclusividade no patrimônio do cônjuge que abandonou o lar, descabe a invocação da usucapião familiar, devendo-se avaliar a possibilidade de uso de outro tipo de usucapião.

Alguns juízes indeferem o pedido ao constatar que o casal tinha apenas a posse do bem (exemplo: cessão de direitos. Lembrando que só é proprietário quem tem título registrado em cartório de imóveis). Este formalismo é extremamente restritivo, visto que a grande maioria dos casais pobres só possuem compromissos de compra e venda firmado por terceiros, ou são titulares de contrato de financiamento bancários.

A questão não deveria se limitar aos casos em que o casal é formalmente proprietário do bem (ou seja, tem o documento do imóvel em seu nome), mas também alcançar os casos em que o casal seja titular de “direitos possessórios” de certo imóvel, ou tivesse outro documento hábil que demonstrasse seus direitos sobre o imóvel.

Ocorre também de muitas ações relativas à usucapião familiar serem indeferidas porque o imóvel que se pretende usucapir é bem público, mesmo quando o uso foi concedido ao casal (cessão de uso). Nestes casos, a cessão de uso com exclusividade àquele que permaneceu no imóvel, cumprindo sua função social, deve ser requerida por via administrativa junto ao dono do bem.

Não faça confusão! Não é possível o uso da usucapião familiar para imóvel que já foi partilhado entre as partes, por meio de sentença judicial transitada em julgado (o que geralmente ocorre em ações de divórcio). Nestas situações, para regularizar a situação do imóvel deve-se propor uma ação de extinção do condomínio, bem como, eventualmente entrar com ação de usucapião comum, se configurado todos os requisitos necessários.

 

4.6. Requisito do abandono “do lar” familiar

Vamos direto ao ponto… abandono do lar, para fins de usucapião familiar, deve ser entendido como deserção do lar conjugal. O abandono deve ser, ao mesmo tempo, do imóvel e da família. Dito isso, agora vamos detalhar.

Para se caracterizar a perda da propriedade do bem imóvel por usucapião familiar, não basta a simples “separação de fato”, é necessário que aquele(a) que saiu tenha realmente “abandonado” o imóvel e a família.

A usucapião familiar visa proteger a família que foi “deixada para trás”, desamparada, sem nenhum tipo de auxilio, bem como busca proteger a moradia da família em detrimento do cônjuge que os abandonou.

O entendimento é o seguinte:

(1) ao descumprir deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza sozinha(o) pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o(a) “desertor(a)” justifica a perda da propriedade quanto ao imóvel objeto de usucapião;

(2) o requisito do ‘abandono do lar’ deve ser interpretado como abandono voluntário da posse do imóvel, somado à ausência da tutela da família. Não interessa de que foi a culpa pelo fim do casamento ou união estável.

O exemplo mais claro ocorre quando ex-cônjuge/companheiro desaparece, sem paradeiro conhecido, deixando o núcleo familiar à mercê da própria sorte. Outros exemplos são: aquele que não quer saber mais de nada, virou a página, não presta qualquer tipo de ajuda financeira, não dá carinho, não contribui para as despesas dos filhos, etc.

Situação corriqueira e dramática: Tendo-se em vista que o abandono do lar é punido com a perca do direito a meação do patrimônio construído pelo esforço comum do casal, ocorre de muitas vezes o casal permanecer no lar suportando-se mutuamente, para não perder seu direito sob o bem em favor do outro cônjuge ou companheiro(a). Caso tanto o marido quanto a esposa saibam deste tipo de usucapião nenhum dos dois vai querer deixar o imóvel, fazendo com que a vontade das partes envolvidas não seja a prioridade.

A simples saída da casa do casal para evitar maiores brigas não configura o suposto abandono. O abandono do lar não deve ser confundido com a separação fática, que se trata de uma separação de lares pela impossibilidade de convívio conjugal.

Cada caso deve ser avaliado com cuidado, visto que o cônjuge ou companheiro que deixou o lar pode ter optado por permitir que o ex-cônjuge (ou companheiro) ali permanecesse com os filhos do casal por mera liberalidade, com o intuito de não lhes causar prejuízo no status social que desfrutam.

Não são raras às vezes em que um dos cônjuges ou companheiros deixam o lar para garantir sua integridade física e moral, visto que muitas vezes a relação conjugal se encontra tão afetada, que a convivência amistosa se torna impraticável. Os juízes devem tomar cuidado ao determinar uma perda patrimonial a alguém que tenha saído do lar sem saber ao certo os motivos que o levaram a agir dessa maneira.

Para não ser indevida e excessivamente penalizado com a perda do seu patrimônio, o cônjuge retirante (aquele que abandonou) deve comprovar que seu afastamento do lar não decorreu de forma espontânea e voluntária, caso em que, não perderá a condição de proprietário de sua meação do imóvel.

Temos ainda como exemplos de saída do lar a esposa ou companheira que se vê ameaçada ou agredida pelo marido/companheiro, ou mesmo do marido ou companheiro que resolve deixar o lar comum para evitar o agravamento da crise conjugal ou preserva as relações familiares e os filhos das brigas constantes. A questão relativa ao efetivo abandono familiar deve estar muito bem caracterizada, e não deixar dúvidas quanto à sua ocorrência.

Não vamos esquecer… para ser possível a usucapião familiar o abandono do lar deve ter ocorrido de forma voluntária, e sem que tenha sido forçado a deixar o lar conjugal.

 

Como já foi julgado? “Evidenciado que a autora deixou o lar conjugal em virtude de desentendimentos e de agressões físicas sofridas, e que permaneceu visitando o filho comum do casal, prestando-lhe auxílio material e afetivo, não há como ser reconhecida a perda da propriedade em razão da usucapião especial familiar”.

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5. Não cabe discussão em relação a quem teve de culpa pelo fim do relacionamento

A separação abala a própria identidade da pessoa e é difícil aceitar o fim de uma união sem ceder à tentação de culpar e tentar punir quem tomou a iniciativa de, finalmente, pôr fim à infelicidade.

A separação deve ser percebida como um fracasso conjugal e não porque um dos cônjuges ou ambos é/são culpados.

Não importa se houve culpa ou não na dissolução do casamento ou da união estável, essa discussão é irrelevante para fins de usucapião familiar.

 

6. Questões práticas para você requerer ou bloquear a usucapião familiar

A usucapião familiar pode ser reconhecida por meio de ação própria ou ainda no bojo de ação de divórcio ou de dissolução de união estável (existe uma variação, neste ponto, entre as justiças estaduais brasileiras); pode, ainda, ser alegada como defesa em qualquer outra ação que o ex-cônjuge ajuíze buscando a partilha do bem ou cobrança de aluguel.

Vamos ver o que é necessário para você deixar documentalmente claro que pode usar ou se defender da usucapião familiar.

6.1. Comprovações do cônjuge ou companheiro(a) que permaneceu no lar (aquele(a) que quer entrar com a ação)

6.1.1. Comprovar a inexistência de outros bens imóveis, a não ser o imóvel objeto de usucapião, por meio de certidões negativas dos cartórios de imóveis.

6.1.2. Comprovação de pagamento dos tributos referentes ao imóvel (IPTU, luz, gás, telefone, condomínio…).

6.1.3. Comprovar a prática de atos de conservação do imóvel (faxina, gastos com limpeza…).

6.1.4. Apresentar a planta do imóvel que se pretende usucapir.

6.1.5. Identificar quem são os confrontantes (= vizinhos) do imóvel em discussão.

6.1.6. Documentar, por qualquer meio legal aceitável, que preenche todos os requisitos apresentados no item 4 (anteriormente detalhado).

 

6.2. Opções de defesa do cônjuge ou companheiro(a) que deixou o lar

6.2.1. O cônjuge ou companheiro(a) deve declarar expressamente por meio de escritos que esta saindo de casa pela falta de compatibilidades, mas que tem o interesse na sua metade do imóvel.

6.2.2. Comprovação de efetiva assistência material e sustento do lar após abandono do lar pelo ex-companheiro (exemplos: compra eventualmente de materiais, ajuste de algum bem pertencente ao imóvel).

6.2.3. Comprovar a prática de atos de conservação do imóvel (faxina, gastos com limpeza…).

6.2.4. Notificar aquele que permaneceu no imóvel, extrajudicialmente (por meio de cartório de notas), que tem interesse na sua parte da propriedade do imóvel (de acordo com o regime de bens adotado). Exemplo: nesta notificação pode-se informar que houve mero ato de “tolerância” quanto à permanência do cônjuge ou companheira(o) e de seus filhos no imóvel, e não desinteresse em sua parte do bem e a desistência de sua propriedade.

6.2.5. Antes dos dois anos ingressar, por exemplo, com qualquer medida judicial que demonstre interesse em exercer os atributos da propriedade. Muito utilizada, com essa finalidade é a ação para arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa comum (coisa comum, no caso, é a residência ocupada por um que pertence ao casal).

6.2.6. Continuar declarando o imóvel como de sua propriedade para fins fiscais, ou seja, todo ano colocar na declaração de imposto de renda.

6.2.7. Provar que, antes de implementado o prazo de dois anos, o cônjuge que ficou deixou o imóvel fechado ou alugou o imóvel.

6.2.8. Para não perder sua parte do imóvel, o homem vai ter que provar que saiu de casa porque não mais aguentava o mau humor da mulher e esta, por sua vez, vai ter que demonstrar que, cansada de sofrer agressões físicas e psicológicas, resolveu deixar o companheiro para trás.

6.2.8.1. Não caracteriza abandono do lar conjugal a saída do cônjuge, ainda que em período superior a 02 (dois) anos, com a finalidade de evitar agravamento da situação de conflito entre os cônjuges.

6.2.8.2. Se um dos cônjuges sai do lar, não com o intuito de abandoná-lo, mas sim para garantir a integridade física e moral dos ex-companheiros, diante de um convívio marital insustentável, nõa está configurado o abandono.

6.2.9. Se o abandono não for voluntário deve ser demonstrado. Por exemplo, a separação de corpos imposta pelo Juiz de Família.

6.2.10. Se aquele que abandonou o lar fica por perto (tem residência conhecida), mantém contato com a(o) parceira(o) e/ou com os filhos, ainda que de forma esporádica, não se caracteriza o abandono, mesmo que não pague pensão alimentícia (que pode sempre ser cobrada por meio de ação de alimentos).

6.2.11. Se for o caso, demonstrar que os dois continuaram a morar no mesmo lote após a separação.

6.2.12. Se o abandonante for “foragido da polícia”, mesmo que tenha sido citado por edital, encontrando-se em local incerto ou ignorado, não é possível garantir que houve efetivo abandono do lar e que a parte autora exerce a posse do bem comum sem oposição.

6.2.13. Se o abandonante foi preso, não se pode ter certeza que houve o abandono do lar.

6.2.14. Se o abandono ocorreu por motivo de desentendimento havido entre o casal, que pode até ter resultado em processo criminal, este abandono bloqueia a usucapião familiar.

6.2.15. Demonstrar que o “abandono” ocorreu por questões profissionais (exemplo: transferência temporária para outra localidade).

6.2.16. Demonstrar que o “abandono” ocorreu para viabilizar tratamento de saúde.

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7. Vara de Família ou Vara Cível, onde ingressar com a ação de usucapião familiar?

7.1. Defesa da Tese da Vara de Família:

O instituto da usucapião familiar tem fundamentação nas relações familiares, matéria das Varas de Família. Assim, ao inovar a usucapião familiar, percebe-se a acumulação de pedido de caráter patrimonial.

A usucapião fundada em relação de conjugalidade ou companheirismo deve ser julgada e processada na Vara de Família, uma vez que neste juízo se verificará o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei.

A usucapião familiar demanda uma análise acurada acerca da caracterização de uma situação fática determinante para sua configuração, a saber: o abandono do lar, o qual deve ser voluntário, imotivado e definitivo. Muito embora possa parecer uma situação de fácil constatação, há circunstâncias em que o ex-cônjuge ou ex-companheiro se vê obrigado a deixar o lar conjugal, o que não significa que não faça jus à partilha do imóvel.

 

7.2. A Vara Cível, no Distrito Federal, em regra é a vara que deve julgar

Na hipótese em que não se presencia materialmente relação familiar, permanecendo uma relação meramente patrimonial, quem deve julgar é a Vara Cível.

Reforce-se: É de competência da vara cível processar e julgar as ações de usucapião familiar, quando for este o objeto principal da lide, sem que haja pretensão de reconhecimento e/ou dissolução da relação familiar.

 

Hummm… e então? Onde ingressar com a ação de usucapião familiar?

Resposta: Varia de estado para estado. Não há um regra.

 

8. Vejamos o desenrolar de alguns casos judiciais curiosos

Uma mulher ingressou na justiça com ação de usucapião familiar. Normal até aqui. Mas posteriormente ficou comprovado que o marido dela já era falecido. E o juiz assim decidiu: “A partir da morte a metade dos direitos sobre o imóvel que pertencia ao marido foram transferidos imediatamente aos seus herdeiros (… ) o falecimento prejudicou não apenas a contagem do prazo, mas também a própria essência do pólo passivo que passou a ser ocupado pelos herdeiros do de cujus, que, por óbvio, não detém a qualidade indispensável de ex-marido com quem a parte autora continue a dividir os direitos de propriedade. Nesse contexto, onde se verifica a óbvia impossibilidade da parte autora de comprovar todos os requisitos necessários ao reconhecimento de seu pretenso direito, a improcedência do pedido é medida que se impõe.”

Determinado sujeito abandonou o lar a mais de 30 anos. O paradeiro desse indivíduo era desconhecido. A justiça tentou fazer sua citação (= tentar avisar o sujeito que estava sendo processado) por diversas formas, e finalmente resolveu fazer a citação for edital. Neste cenário, no caso concreto, decidiu-se que: “As pesquisas realizadas nos sistemas do BACEN, RENAJUD e INFOJUD apontaram para o mesmo endereço da diligência, portanto, conclui-se que foram empregados os esforços possíveis para localização da parte requerida, que há mais de 30 anos encontra-se em local incerto. Ademais, a base de dados do INFOJUD é a mesma da RECEITA FEDERAL, que possui a atualização mais frequente dentre os bancos de dados públicos à disposição deste Juízo, razão pela qual indefiro novas pesquisas. Considerando os esforços desta serventia para localizar o endereço da parte requerida, deixo de acolher o pedido de nulidade da citação, porquanto, considero válida a citação por edital, uma vez que todas as pesquisas indicam o mesmo endereço já diligenciado, sem sucesso, por este Juízo.”.

 

9. E a Justiça do Distrito Federal, como tem se manifestado em casos de usucapião familiar?

Caso 1:

Maria (autora) reside em imóvel de 126 m2, desde 1989. O imóvel foi formalmente registrado em nome de Maria e João (réu), desde 2001, força do regime de bens do casal. Em meados de 1994, o requerido abandonou o lar e não mais retornou, passando a residir em outro imóvel com a nova família. Citado, o requerido apresentou resposta, reconhecendo a procedência do pedido formulado pela autora. (…) a contagem do prazo de dois anos somente começou a fluir a partir de 16/06/2011, data de entrada em vigor da Lei nº 12.424/11, que criou o instituto da usucapião familiar. (…) Desse modo, diante do cumprimento integral dos requisitos legais pela requerente, resta configurada a usucapião familiar da meação do imóvel pertencente ao réu. Comentário do caso: (1) o imóvel tem área menor que 250 m2, ok; (2) o imóvel estava registrado em nome do casal, ok; (3) João saiu do imóvel para trocar de família, ou seja, abandonou; (4) o réu foi citado e não é contrário ao pedido… ótimo; (5) cumpriu TODOS os requisitos, e o juiz não teve dúvidas em mandar registrar em nome de Maria a parte do imóvel que estava registrado em nome de João.

 

Caso 2:

Ação ajuizada por Damião em face de Maria. O casal contraiu matrimônio em 1967, adotando o regime de comunhão de bens, em 1970 adquiriu casa. Após 4 anos de convivência, em 1971, Maria abandonou o lar conjugal, tomando destino ignorado até a presente data. (…) Quanto ao pressuposto objetivo concernente à área máxima do imóvel objeto do pedido de usucapião, a norma legal menciona o máximo de 250 metros quadrados, o que equivale à área de superfície do terreno, independentemente de construída. (…) Por fim, restou demonstrado que o autor não é proprietário de qualquer outro imóvel, urbano ou rural, em todo o país. (…) Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a propriedade exclusiva do autor em relação ao imóvel. Comentário do caso: (1) casados, ok; (2) adquiriram casa após o casamento, ok; (3) um ano após a compra da casa Maria abandona o lar, (4) tamanho do imóvel dentro das regras, ok; (5) Damião não possui outros imóveis, ok; (6) Tudo certo, e o juiz declarou a propriedade como sendo exclusivamente de Damião.

 

Caso 3:

Ação ajuizada por Paulo em desfavor de Maria. O juiz mandou o autor esclarecer a localização do imóvel, bem como apresentar o documento de registro do imóvel (matrícula). O autor não conseguiu apresentar o documento pedido, e apresentou contrato particular de cessão de direitos sobre o imóvel, aduz, ainda, que o imóvel não tem registro em nome de qualquer pessoa. (…) no caso dos autos, não há qualquer documento que demonstre que qualquer das partes detém a propriedade do imóvel. Cediço que o direito de propriedade exige título devidamente registrado em Cartório, não podendo ser substituído por qualquer outro meio de prova. Comentário do caso: (1) juiz pediu a matrícula e o autor apresentou contrato de “cessão de direitos”, não ok; (2) o juiz entende que a usucapião familiar só é aplicável para transferência da propriedade do imóvel, e não pode ser usada para transferência da meação da “cessão de direitos”… Paulo não teve seu pedido atendido, e continuará a dividir a cessão de direitos com Maria.

 

Caso 4:

Ação movida por Jovelina em desfavor de José. (…) Juiz pediu pra Jovelina comprovar a união estável com José, e ela pediu a continuidade do processo, sem apresentar o reconhecimento da união estável. (…) A autora pretende usucapir o imóvel do suposto ex-companheiro. A parte, portanto, não pretende o reconhecimento da união estável, mas, ao mesmo tempo, pretende usucapir o imóvel com base em artigo legal que traz como exigência o fato de ser ex-companheiro. Não pode ser dada continuidade a processo que não atenda aos requisitos mínimos legais. Comentário do caso: (1) Jovelina disse que tinha união estável com José, mas não apresentou documentos, mesmo após pedido do juiz, não ok; (2) o juiz negou o pedido de usucapião apresentado por Jovelina porque é obrigatório que ela comprove que tinha união estável com José quando adquiriram o imóvel, e como ela, por questões pessoais, não quis fazer isso, não ganhou a ação.

 

Caso 5:

Ação proposta por Adelaide em desfavor de José. A autora casou com o réu de 1964, pelo regime de comunhão universal de bens. Em 1969 o requerido abandonou o lar comum, sendo seu paradeiro desconhecido até os dias atuais. Em 1998 recebeu doação de imóvel, e que, pelo fato de ainda ser formalmente casada com o demandado, seu nome constou na superveniente escritura de doação, no ano de 2001. (…) o réu jamais deteve parcela do imóvel em questão. Explico. De acordo com as regras, por meio da comunhão universal têm os cônjuges massa patrimonial única (…) o estado de comunhão universal de bens subsiste apenas e tão somente durante a efetiva convivência do casal (…) os consortes devem ser tratados para todos os efeitos legais, inclusive patrimoniais, como se não mais fossem casados, pois, neste caso, o matrimônio existe apenas no plano formal. (…) a requerente sequer demonstrou concretamente durante a instrução o referido abandono do lar pelo réu e o exercício da posse qualificada pelo período exigido pela lei. Não é demais rememorar que a demandante confessa que não reside no imóvel em questão. (…) No caso dos autos não há demonstração do completo atendimento das exigências legais. Comentário do caso: (1) casados, ok; (2) após 5 anos de casados José sumiu; (3) recebeu imóvel por doação em nome do casal após o sumiço de José; (4) o juiz entende que não se pode falar que José tinha parcela do imóvel, porque no regime de casamento de comunhão universal todos os bens pertencem integralmente aos dois não se podendo falar em parte de cada um; (5) o juiz entende que quando José sumiu, como apenas Adelaide fez o esforço para adquirir o bem, este bem só pertence a ela; (6) a autora não demonstrou o abandono do lar, não ok; (7) a autora não demonstrou o exercício da posse do imóvel, não ok; (8) a autora não mora no imóvel, não ok; (8) o juiz não aceitou porque faltaram provas que a autora preenchia TODOS os requisitos da usucapião familiar apresentados no item 4 deste texto.

E aí, as explicações sobre a Usucapião Familiar lhe foram úteis? Encontrou a solução que se encaixa perfeitamente ao seu caso específico ao longo do texto? Comente e compartilhe o seu comentário!

 

AUTOR:

Cristiano Nunes Gonçalves

Pós-Graduado em Direito. ADVOGADO. Doutor em Agronomia. ENGENHEIRO Agrônomo. PROFESSOR. ANALISTA em Ciência e Tecnologia Sênior.

 

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