Direito Transparente

A Licença-Paternidade no Brasil: Um Mandato do STF, Uma Omissão de 37 Anos e um Debate Urgente no Congresso

Introdução: Uma Provisão de 37 Anos à Espera de Regulamentação

No Brasil, o direito à licença-paternidade, conforme a legislação vigente, é de apenas cinco dias consecutivos. Esta é uma realidade que contrasta fortemente com as necessidades das famílias modernas e com as práticas adotadas por diversas nações mais desenvolvidas. Esse período curto se aplica em casos de nascimento de filho, adoção ou guarda compartilhada. O direito em si foi estabelecido com a promulgação da Constituição de 1988 e está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, a licença de cinco dias foi concebida como uma “medida provisória” pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com a expectativa de que o Congresso Nacional aprovasse uma lei complementar para sua implementação definitiva.

Surpreendentemente, ou talvez de forma reveladora sobre a prioridade dada ao tema, essa votação que deveria trazer a regulamentação definitiva nunca ocorreu, mesmo após 37 anos. Essa lacuna legislativa resultou em um cenário de incerteza e na perpetuação de um modelo que muitos consideram obsoleto e inadequado para as dinâmicas familiares e sociais atuais. A omissão do Congresso é um ponto central na discussão, e o tema ganhou nova urgência com uma intervenção direta do Supremo Tribunal Federal (STF). Este post explorará em detalhes o mandato do STF, as propostas em tramitação no Congresso, os desafios políticos e fiscais envolvidos, e como o Brasil se posiciona em relação à licença-paternidade em um cenário global.

 

O Mandato do STF: Um Alerta e um Prazo Vencido

A inação do Congresso Nacional em regulamentar a licença-paternidade foi formalmente questionada e chegou ao Supremo Tribunal Federal. A decisão do STF ocorreu após o julgamento de uma ação de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), uma iniciativa que remonta a 2012. Em dezembro de 2023, a Corte, por maioria de votos, reconheceu a omissão legislativa.

O ministro Luís Roberto Barroso foi o relator cujo voto prevaleceu no julgamento. A decisão do STF estabeleceu um prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional regulamentasse a licença-paternidade. Esse prazo, que começou a contar a partir da publicação da ata de julgamento em 8 de janeiro de 2024, venceu em julho de 2025, mais precisamente em 8 de julho de 2025.

A urgência do tema é amplificada pela determinação do Supremo: caso o Congresso permaneça omisso após o vencimento do prazo, o próprio STF poderá fixar o período da licença-paternidade. Isso representa uma pressão significativa sobre o parlamento, que agora precisa agir para evitar que o Poder Judiciário legisle sobre uma matéria de sua competência primária. A Constituição de 1988, ao prever a licença-paternidade, já estipulava que a licença de cinco dias seria provisória até a aprovação de uma lei complementar. Trinta e sete anos se passaram, e o país ainda vive sob essa “regra transitória”.

 

Propostas em Tramitação: Um Mosaico de Dias e Benefícios

Apesar da omissão histórica, o Congresso Nacional não está alheio à discussão, e diversos projetos de lei e propostas de emenda à Constituição já tramitam, buscando modernizar e ampliar o período da licença-paternidade. Esses projetos prevêem períodos que variam de 15, 20 ou até 60 dias.

Na Câmara dos Deputados, há uma proposta que “sai na frente” em termos de celeridade na tramitação:

No Senado Federal, o debate é ainda mais abrangente, com propostas que visam períodos de licença mais longos e benefícios adicionais:

A diversidade de propostas demonstra que há um reconhecimento da necessidade de mudança, mas também revela a complexidade em chegar a um consenso sobre a extensão e os mecanismos de financiamento da licença-paternidade no Brasil.

 

Articulação Política e os Desafios à Vista

Apesar da multiplicidade de projetos, existe uma forte articulação política para impulsionar a pauta da licença-paternidade no Congresso. A Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade e a bancada feminina no Congresso Nacional têm se mobilizado ativamente para garantir que a regulamentação resulte em um período de 60 dias para os genitores.

A Frente Parlamentar reconhece que a ampliação da licença-paternidade “não é da noite para o dia”, mas enfatiza que há espaço para negociação. Segundo a frente, o debate envolve quanto tempo levará para essa transição e com quantos dias a licença se iniciaria, indicando uma disposição para uma implementação gradual, a partir de 30 dias, para facilitar a adaptação e superar possíveis resistências. A bancada feminina expressou a esperança de que a votação ocorra nos próximos meses, visando a aprovação de um texto que possa ir diretamente para sanção presidencial.

A articulação política busca construir acordos com diferentes grupos no Congresso, incluindo a Frente da Primeira Infância e a bancada evangélica, indicando um esforço para formar uma base de apoio ampla e multipartidária.

No entanto, o principal obstáculo para a aprovação de uma licença-paternidade mais robusta é o impacto fiscal. Estima-se que o custo seria de 0,05% do orçamento da Previdência, considerado um “impacto pequeno”. Contudo, mesmo um valor percentual baixo pode representar um montante significativo em termos absolutos e gerar resistência em um cenário de busca por equilíbrio fiscal. Por isso, estão em curso esforços para encontrar compensações junto ao governo, buscando viabilizar a medida sem desequilibrar as contas públicas. A superação desse desafio financeiro será crucial para o avanço da pauta.

 

A Licença-Paternidade no Cenário Global: O Brasil em Descompasso

Quando comparamos a licença-paternidade brasileira de cinco dias com o que é praticado em outros países, fica evidente um descompasso significativo. Enquanto a maioria dos países ainda oferece licenças inferiores a 15 dias, pelo menos 10 países já concedem licença-paternidade de 30 dias ou mais. Países mais desenvolvidos têm se movido na direção de equiparar, ou pelo menos aproximar, o período da licença-paternidade ao da licença-maternidade.

Vejamos alguns exemplos notáveis de como a licença-paternidade é tratada em outras nações:

Os benefícios de uma licença-paternidade estendida são amplamente documentados por estudos internacionais. Os médicos pediatras destacam que pesquisas realizadas em países desenvolvidos mostram que a licença-paternidade, assim como a licença-maternidade, não tem impacto negativo na produtividade das empresas. Pelo contrário, o pediatra argumenta que o ideal é que a licença-paternidade atinja pelo menos quatro meses, pois essa medida pode levar a ganhos significativos. Segundo esses médicos “esse homem volta mais fortalecido, com maior vínculo e desempenho”, sugerindo que a maior participação paterna nos primeiros meses de vida da criança resulta em um trabalhador mais engajado e produtivo no longo prazo. A presença ativa do pai desde o início da vida do bebê fortalece os laços familiares, promove o desenvolvimento infantil e contribui para uma divisão mais equitativa das responsabilidades parentais.

 

Conclusão: O Futuro da Paternidade no Brasil

A discussão sobre a licença-paternidade no Brasil é mais do que uma mera questão trabalhista; é um debate fundamental sobre o desenvolvimento infantil, a equidade de gênero, o bem-estar familiar e a modernização das relações de trabalho. A expiração do prazo dado pelo STF coloca o Congresso Nacional diante de uma encruzilhada: agir para regulamentar um direito que espera por uma lei definitiva há 37 anos, ou deixar que o próprio Judiciário intervenha.

A variedade de propostas em tramitação na Câmara e no Senado, que variam de 15 a 75 dias de licença, e a inclusão de benefícios como estabilidade no emprego e “salário-parentalidade”, demonstram que o debate está vivo e que há um reconhecimento crescente da necessidade de mudança. A Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade e a bancada feminina, com seu esforço para garantir uma licença de 60 dias, mesmo que gradualmente, estão articulando o apoio político necessário para essa transformação. O desafio fiscal, embora real, com seu impacto estimado em 0,05% do orçamento da Previdência, está sendo negociado com o governo para encontrar compensações e viabilizar a medida.

O retorno do recesso parlamentar, marcado para 4 de agosto, será um momento crucial para que o tema receba a atenção devida e as negociações necessárias. A experiência de outros países, que já adotam licenças mais longas e flexíveis, e os benefícios comprovados para as famílias e para a sociedade, servem de inspiração e reforçam a urgência de uma legislação mais moderna e abrangente.

É imperativo que o Brasil avance nessa pauta, reconhecendo o papel fundamental do pai na criação e desenvolvimento dos filhos e construindo um futuro onde a paternidade ativa seja um direito garantido e valorizado. A oportunidade de corrigir uma omissão histórica de quase quatro décadas está nas mãos dos parlamentares, e a sociedade brasileira aguarda com expectativa essa necessária evolução.

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